PELOS CAMINHOS DO SUS: caminhando e aprendendo juntos.

A exposição Pelos Caminhos do SUS foi construída com a preocupação de zelar por uma política pública elaborada em diálogo com os movimentos populares, e que se vê ameaçada em diversas conjunturas histórica. É preciso zelar permanentemente pelo que conquistamos para melhorar e garantir sua continuidade buscando consolidar uma saúde integral e universal em nosso país.

A ideia se deu a partir da comemoração dos 25 anos do Sistema Único de Saúde em 2014. Nossos objetivos foram a criação de um espaço para motivar a reflexão sobre a importância que usuários, trabalhadores e gestores, têm neste processo democrático e participativo de construção e consolidação do SUS. Como objetivos específicos tivemos os de elaborar atividades educativas que contribuíssem para a visão de participação social, da importância do direito coletivo à saúde e para o conhecimento sobre o papel dos vários profissionais do campo da saúde oferecendo ao público visitante a oportunidade de estar mais perto do SUS de forma crítica, lúdica e interativa.

A exposição foi estruturada em torno dos eixos: histórico do SUS - como resultante de conquistas e afirmação de direitos; suas estruturas de funcionamento e serviços básicos; os recursos humanos; as formas de financiamento e a participação social. A exposição termina com a identificação dos êxitos já alcançados e desafios fundamentais.

CAMINHANDO E CANTANDO, COM O SUS: REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA EXPOSIÇÃO PELOS CAMINHOS DO SUS

 O SUS, Sistema Público de Saúde Brasileiro pode ser descrito a partir de disputas em torno de uma construção histórica. Tem suas origens na década de 1970, a partir dos movimentos sociais que ganharam força ao longo dos anos com a participação dos diversos setores da população além de uma diversidade de organizações de profissionais de saúde. Essa construção se concretiza como proposta de política pública de saúde por meio da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Após 34 anos de resistência, o período da pandemia – 2020- 2022 – colocou à prova sua importância e oportunizou o reconhecimento em âmbito mundial da força dessa política.

No contexto de uma conjuntura histórica de ameaças ao SUS é que se decidiu construir a exposição Pelos Caminhos do SUS. A ideia se deu a partir da comemoração dos 25 anos do Sistema Único de Saúde em 2014. Nossos objetivos foram a criação de um espaço de diálogo, buscando motivar a reflexão sobre a importância que usuários, trabalhadores e gestores, têm neste processo democrático e participativo de construção e consolidação do SUS. Como objetivos específicos tivemos os de elaborar atividades educativas que contribuíssem para a construção da visão de participação social, da importância do direito coletivo à saúde, estabelecer diálogo com os vários profissionais do campo da saúde e oferecer ao público visitante a oportunidade de conhecer o SUS de forma crítica, lúdica e interativa. 

A identidade visual da exposição foi realizada a partir do conceito de “construção”, com utilização de motivos estéticos ligados a essa palavra, tais como andaimes, redes de proteção, paredes inacabadas, buscando analogias com o processo de construção contínua que essa política demanda sugerindo avanços, fragilidades e desafios. A iniciativa atual é de disponibilizar todo o conteúdo e estratégias educativas desenvolvidas, adaptando-os à linguagem digital, de forma que fique disponível aos educadores interessados em utilizá-lo em discussões com estudantes e movimentos sociais. A maior parte das imagens são fruto do trabalho de Radilson Gomes (BRASIL, 2013), que há anos acompanha os trabalhadores do SUS em suas diversas ações, mostrando suas lutas e conquistas.

Em meio à contradições, a história mostra que desde a década de 1990 são notáveis no país os ataques e tentativas de desmontes ao SUS pelo seu caráter de universalização da oferta gratuita de serviços, que afronta o sistema neoliberal voltado para o mercado (GOUVEIA E PALMA, 1999). Nesse sentido observamos que historicamente são empregadas estratégias para burlar a Constituição no que se refere às garantias do direito à saúde. São sistemáticas as situações de retirada de investimentos, os quais ficam muito aquém do necessário, reforçando a consequente disseminação da ideia de seu funcionamento precário. Nesse contexto observamos pressões da grande mídia ressaltando falhas no SUS, o cerceamento sobre informações básicas para a população ao lado do enorme incentivo à compra de planos de saúde privados, sem falar na utilização de subsídios públicos que privilegiam a privatização da saúde. Contra a saúde pública e de qualidade, a história atual brasileira está plena de exemplos: desvios de verbas, a arbitrariedade no fechamento de leitos e de unidades de saúde, até um esvaziamento de toda a construção do SUS que culmina na aprovação da Emenda Constitucional 95 (BRASIL, 2016) que congelou o teto dos investimentos em educação e saúde durante 20 anos. O somatório dessas estratégias vem na direção da desconstrução das conquistas históricas brasileiras em saúde. De acordo com Mendes et al. (2011), a afirmação das reformas de cunho neoliberal, defendidas pelas agências internacionais, põe em risco a defesa dos SUS como direito de todos os cidadãos. 

Marx e Engels (1999) já apontavam que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”, sendo esse o pensamento que permeou a construção de uma abordagem educativa, problematizadora e emancipatória . Para que isso acontecesse a exposição buscou garantir espaços de informação, discussão e reflexão entre educadores e com o público, que vivencia na prática as situações de busca pela saúde. Assim pretendeu-se que o público, ao visitar a exposição, entrasse em contato com elementos imprescindíveis para se posicionar politicamente diante de seus direitos e dos interesses coletivos. 
Os eixos temáticos foram distribuídos na forma de painéis ilustrados e interativos, amplamente utilizados na mediação e de módulos educativos com espaço para rodas de conversas sobre temas que envolvem os objetos expostos. As atividades educativas foram realizadas conforme faixa etária e disponibilidade dos grupos. 

A estratégia pedagógica utilizada no Museu da Vida é a mediação humana, ou seja, suas exposições dispõem de educadores que buscam motivar o diálogo e despertar a curiosidade dos visitantes em torno dos temas. A exposição foi estruturada em torno dos eixos: histórico do SUS –  como resultante de embates em torno da conquista e afirmação de direitos; suas estruturas de funcionamento e serviços básicos; os recursos humanos; as formas de financiamento e a participação social. Finaliza com a identificação dos êxitos já alcançados e desafios fundamentais.

Entre as estratégias educativas que foram desenvolvidas temos: “A árvore da saúde”, onde o conceito de saúde ampliada é trabalhado com palavras escritas nas “folhas” de uma árvore tridimensional feita de mdf. A árvore é montada coletivamente por grupos de visitantes, enquanto conversam sobre os conceitos que estão nas folhas. Esses remetem à visão de determinação social da saúde, como: saneamento básico, segurança pública, lazer, transporte público de qualidade entre outros. Algumas folhas contêm espaços para que o visitante possa escrever seu próprio conceito. O painel interativo “Time da Saúde”, sugere que os visitantes discutam quais os profissionais do SUS devem entrar em campo diante de casos narrados em placas rotativas e cujas soluções demandam diversos trabalhadores do SUS, superando a visão restrita a médicos e enfermeiros. “As engrenagens do SUS” consiste em uma série de magnetos na forma de engrenagens sobre um painel imantado, que têm por finalidade explicitar os âmbitos de financiamento do SUS: municipal, estadual e federal. Ao encaixar as engrenagens o visitante tem a chance de agregar sua vivência e ideias discutindo sobre o que de fato acontece com os recursos destinados à saúde pública. O “Sustentando o SUS”, é um arco romano de 1,80m de altura composto por sete blocos de isopor encapados, materializando em um objeto lúdico os princípios que orientam o SUS. Em uma face de cada bloco foi escrito um princípio e na face oposta seu significado. Os princípios escolhidos foram: “universalidade”, “equidade”, “integralidade”, “hierarquização”, “descentralização”, “regionalização” e “participação”. Aqui o objetivo foi discutir o Sistema Único de Saúde como dependente da participação do maior número de pessoas possível em sua qualificação e manutenção. Para consolidar essa ideia era sugerida a montagem do Arco Romano, o qual tinha seus conteúdos comentados para depois ser montado, o que só é possível quando os participantes interagem “co-laborando” para a construção final. As diversas instâncias de participação no SUS por meio de conselhos gestores também foi tema de um painel educativo. Outro espaço projetava na parede uma animação sobre a história da construção do SUS.

Em sua primeira etapa a exposição permaneceu aberta ao público por cerca de 18 meses divididos em duas temporadas, tendo recebido cerca de três mil visitantes. Como estratégia de avaliação foi realizada uma pesquisa de cunho qualitativo, quando educadores reuniam-se com os visitantes para uma conversa informal em torno das perguntas: Por quê você escolheu visitar essa exposição? Como soube dela? O que mais chamou sua atenção? Por quê? Essa exposição te remete a alguma situação já vivida? Qual? Você é usuário do SUS? O que pensa sobre essa política pública? O que você achou de visitar uma exposição sobre uma política pública de saúde? Os educadores foram os responsáveis por coletar os dados da pesquisa a partir das atividades educativas e rodas de avaliação. As conversas foram anônimas e gravadas com a permissão dos participantes. Os visitantes que participaram da pesquisa eram identificados apenas como tipologia de grupos de visitantes. 

Participaram cinco grupos: profissionais de saúde, famílias, acadêmicos – enfermagem e pós graduação em saúde – escola básica e moradores de Manguinhos – região de inserção do Museu da Vida/Fiocruz.

No que se refere à questão: como os visitantes recebem uma exposição sobre o SUS como política pública? – Os resultados surpreenderam quanto à visão positiva dos visitantes acerca do SUS, sendo que também houve críticas. Destacamos o relato de uma visitante profissional da área da saúde: “O SUS é lindo no papel e na prática também. Em um consultório em que eu fui a enfermeira dizia exatamente o que fazer. Se preocupava de fato com o atendimento humanizado, dos casos de dor de garganta até as cirurgias de emergência. Mas também já vi amigos sem socorro porque o SAMU não chegou a tempo. O SUS vale a pena, mas é preso por uma gestão que, às vezes não vale”. No que se refere à visão desses visitantes e o que nos ensinam sobre o SUS, destacamos as palavras de uma estudante de enfermagem: “Nós estudamos o SUS várias vezes, aprendemos todas as leis e tudo mais, e teoricamente é tudo muito bem fechado, mas não é uma política que de fato alcance a todos. Há a universalização, mas ela não é feita. A diferença entre municípios da baixada e da região metropolitana é enorme. Isso só falando do Rio de Janeiro.”

O espaço da exposição como um local de construção de uma cultura de promoção da saúde associada à emancipação das classes trabalhadoras foi amplamente reconhecido e reafirmado, entre os visitantes e entre a equipe de mediadores. Foi valorizada a oportunidade de interação no ambiente da exposição, para debater e falar abertamente sobre experiências pessoais, perspectivas e as diversas visões sobre saúde dos usuários. Uma das colocações mais marcantes foi a de um estudante de ensino médio: “Vocês têm várias informações muito boas, acho que a conversa aqui, no fundo, é o mais legal. A gente pode ir além do que se faz em outros museus, que os guias dão um monte de informação, mas não rola um bate papo”. Quanto aos limites da exposição e seu alcance, identificamos depoimentos referentes à falta de acesso à informações e à divulgação científica considerada ainda muito deficitária no país. Foi destacada a importância de se construir espaços para se debater e discutir temas de saúde para além dos espaços de serviços, bem como a falta de informações aos usuários do SUS sobre as ouvidorias, por exemplo, para que se denunciem as iniquidades em saúde. 

Concluímos, que a exposição “Pelos Caminhos do SUS” constitui-se em uma estratégia inovadora e de grande potencial para a conscientização e apropriação popular da política pública de saúde no Brasil atual. Em especial pelo fato de, na prática, não existirem espaços de motivação dialógica sobre as políticas de saúde para além das salas de espera dos serviços. 
Na contramão do projeto de desmonte da Saúde Pública vigente no país, esta ação se provou eficaz para motivar a consciência popular e como estratégia de emancipação na medida em que se configura concretamente como espaço dialógico de oferta de informações e de reflexão sobre a realidade em meio à suas contradições.

 Ainda há muito por se conquistar quanto ao acesso ao que é de direito, aos investimentos, à garantia do respeito a todos e à visão humanizada que configura as principais bases do SUS, aspectos em que a exposição certamente contribuiu provocando reflexões e aprendizados. 

Agradecimentos e apoios:
E equipe de idealizadores e realizadores da exposição (ver créditos da exposição), aos mediadores do Museu da Vida pela troca de ideias e apoio irrestrito para a nossa investigação. A todos os visitantes que contribuíram ampla e espontaneamente com seus relatos e visões sugerindo e participando da construção de estratégias para combater as iniquidades em
saúde.

Referências
BRASIL. Emenda constitucional Nº 95, DE 15 DE Dezembro DE 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências, Brasília, DF, dez 2016. Disponível aqui. Acesso em: 10 out. 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Subsecretaria de Assuntos Administrativos.
O SUS em fotos : promoção da saúde, produção de sentidos / Ministério da Saúde, Secretaria-
Executiva, Subsecretaria de Assuntos Administrativos. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013.
118 p. : il.

Fotografias e textos Radilson Carlos Gomes da Silva

CARVALHO, Thaiana Ferreira e BONATTO, Maria Paula de Oliveira. Pelos Caminhos do SUS: política pública de saúde como exposição interativa. In: XII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – XII ENPEC. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN -25 a 28 de julho de 2019. Consulta ao endereço eletrônico em abril de 2023: 

https://abrapec.com/enpec/xii-enpec/anais/listaresumos_1.htm

FIOCRUZ. Museu da Vida. Pelos Caminhos do SUS. Disponível aqui. Acesso em: 11 out. 2018. GOUVEIA, Roberto; PALMA, José João. SUS: na contramão do neoliberalismo e da exclusão social. Estud. av., São Paulo , v. 13, n. 35, p. 139-146, Abr. 1999 . Disponível em aqui. Acesso em 11 out. 2018.

LOUREIRO, Carlos Frederico. Problematizando conceitos: contribuição à práxis em educação
ambiental. In: ______. (org.) [et al]. Pensamento complexo, dialética e educação ambiental.
Rio de Janeiro: Quartet, 2007.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. MENDES, Jussara Maria Rosa. et al. Gestão na saúde: da reforma sanitária às ameaças de desmonte do SUS. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 331-344, ago/dez. 2011.
Disponível em aqui. Acesso em: 11 out. 2018.